Chego àquela altura da vida que pergunto o que ando cá a fazer! No meio do trânsito, a caminho do trabalho ou enquanto levo o miúdo à escola, já nem me lembro bem, surge de repente um pensamento que me apanha despercebida(o): "Como vim parar aqui? Que estou a fazer? O que se passou na minha vida para eu estar assim?" E uma forte angústia aparece vinda das profundezas de não sei bem onde, assolando-me o peito... um forte aperto no coração, a vontade de chorar, as lembranças dos sonhos de criança, dos planos feitos na juventude:"Como cheguei aqui? O que se passou que não controlei, que não me apercebi, que me engoliu?". Entretanto uma buzina a ressoar fortemente nos ouvidos faz-me acordar repentinamente destes pensamentos. Mas a angústia fica, transformando-se em algo que se impregna em cada célula do meu corpo, uma tristeza cada vez mais escura, profunda, pesada.
No trabalho, rotina hipnotizante ou alta pressão por resultados imediatos... ambas a causarem um desgaste físico e emocional extenuante. "Porquê para tudo para ontem? Quem tomou essa decisão? Porquê fazer assim? Porque tenho de ser eu? Isto assim não resulta... ou será que sim? Eles é que sabem, o problema fica para eles... ou não, acaba por vir para mim como de costume"! Momento de pausa de um minuto, numa tentativa de reorganizar as ideias: "O que se passa comigo? O que estava mesmo a fazer? Meu Deus... estou a envelhecer... como o tempo passa! O que era para fazer mesmo?". O telefone toca e é particular! Atendo, não atendo? Será urgente? Rejeito a chamada e fico com aquele receio de que deveria ter atendido... Outras vezes atendo, e falo baixinho para ninguém ouvir... afinal houve um problema e convinha sair para o resolver... mas vai ter de ser adiado.... só posso sair do trabalho daqui a umas horas... e agora? O tempo que falta parece uma eternidade...
Saio do trabalho, trânsito... "Precisava mesmo de chegar mais cedo a casa! Porra! Arranca com essa m*****!" Porque trouxe o carro hoje?"
Finalmente em casa ao fim do dia... o piloto automático mantém-se com todas as tarefas necessárias ao funcionamento do lar: o que fazer para o jantar, dar banho ao miúdo e orientar nos TPC, colocar roupa a lavar, arrumar a cozinha: "O que é preciso mesmo para amanhã? Sinto-me tão cansada(o), tenho de me deitar cedo! Ai... já são 7 e meia e nem comecei a fazer o jantar! E ainda falta tratar do Patusco!!!!! Precisava de organizar aquele armário e ainda não passei aquela roupa a ferro! Isso fica para amanhã!"
O miúdo nunca mais se despacha a lavar os dentes e a vestir o pijama: "Já é tarde, despacha-te!" O som sai mais alto do que realmente queria e o meu filho dá um salto assustado: "Não te despachas, azar, já não dá para ler a história!" Tem de ser, penso eu, tenho de impor regras senão é o descontrolo completo! Ele tem de dormir mais de 8 horas! Dou um beijo de boa noite, olho-o nos olhos: está triste, a sentir-se culpado por ter ficado a brincar um pouco mais e não se despachar... já não pode ter aquele momento de leitura a dois! Sinto remorsos: será que perder 15 minutos de sono e ter um momento vinculante com o meu filho não seria melhor?... e a tristeza assombra mais um pouco o meu coração. Será que lhe digo vezes o suficiente o quanto o amo?
Chego à cama e estou estafada(o), física e emocionalmente... olho para o telemóvel e não resisto em pegar nele: tenho de ver o que se passa nas redes sociais! Pessoas conhecidas com fotos lindas e frases feitas. Como conseguem? Será que são assim tão felizes? Olho para o meu companheiro(a)... ele(a) já não aguentou estar acordado(o)... Tenho sorte em tê-lo(a) a meu lado! É um bom(boa) companheiro(a) e amigo(a), organizamos a casa juntos e dividimos tarefas, partilhamos os acontecimentos do dia no trabalho e ouvimos a opinião um do outro, com respeito e admiração... mas há dias que esta sensação de turbilhão, ruído e descontrolo tomam posse de mim... e sou injusta para com ele(a), eu sei! Mas é quem está mais perto, é a pessoa que sinto a liberdade de dizer o que penso, o que quero.... e o que não quero! A maioria das vezes falo com agressividade e esta não provém de alguma atitude ou palavra que me tenha dito, isso são apenas desculpas. Essa agressividade vem de algo mais profundo, que começou a crescer cá dentro, o qual não tenho controlo e preciso libertar...
Olho para ele(a), exausto(a), com a respiração indicativa de um sono profundo. Tenho saudades dos tempos em que, mesmo cansados, nos envolvíamos em brincadeiras debaixo dos lençóis, sem nos preocuparmos se íamos acordar cedo no dia seguinte! "Será que percebe que não é com ele(a)? Será que percebe que a minha tristeza e agressividade não são provocados por algo que fez? Será que lhe disse isso? Há quanto tempo não digo que o(a) amo?"
Frases feitas nas redes sociais... tão fácil escrever, tão difícil fazer! Gostava que realmente me ensinassem como pôr em pratica, no dia a dia, o que andam a apregoar! Como transformam um dia em 48 horas! Como conseguem calar este ruído e diminuir esta tristeza... parece tão fácil ...e os comentários... intitulam-se testemunhas credíveis, rejubilam com os resultados! "Eu não consigo fazer isto... comigo não resulta... é para quem tem tempo e não tem os problemas que eu tenho!" E a tristeza torna-se ainda mais profunda... e o ruído na mente não passa... tento descansar e não consigo.... fecho os olhos e não durmo... já são 3 da manhã...
"Não faz mal! Fica para amanhã!"
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